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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

(4)UMA ESTÓRIA CONTADA NA 1ª PESSOA!(kafka e eu)

  1. TITULO: ATÉ PARECE MENTIRA MAS TUDO INDICA QUE NÃO!

    «CONTACTE O AUTOR

    JOSÉ EDUARDO MARTINS | jose.e.martins@abreuadvogados.com | 02 Fevereiro 2016, 19:45

    Kafka e eu

    Ao fim de mais de 20 anos enquanto advogado comprovo que não é só a Justiça que é cega, mas sobretudo a sua mecânica, que além de cega é burra, ofensiva mesmo.
    Quinta-feira, sete e meia da manhã de um dia normal, toca a campainha. Estranho.

    É a polícia, diz a minha mulher assarapantada. Vou à porta e sem me explicarem porquê dois agentes, desfardados, com cara de poucos amigos e muita experiência, comunicam-me que estou detido. A minha mulher leva os miúdos para longe da nossa curiosidade e eu tento perceber o que está a acontecer. Não é meu direito. A única referência é que " isto vem de Grândola" …

    Por fim alguma luz. Tinha na véspera recebido a condenação em 204 euros de multa por não ter comparecido a uma diligência em Lisboa relativa a um assunto de Grândola. Já explico.

    Lá vou eu. E foi uma manhã diferente, em alguns momentos até catita. Expliquei aos senhores agentes o que não sabiam. Estavam a deter a vítima de um assalto a uma casa lá para os lados de Grândola, que apresentou queixa. Acharam normal… "O senhor é testemunha, há um artigo para isso." Eu que de artigos ainda conheço uns quantos e até faço disso profissão, desse não me lembrei e fiquei-me. Lá fomos para a "superesquadra".

    Lemos os jornais, conversámos sobre o Marcelo e as candidatas do Bloco. Levaram-me ao café. Não podia ir sozinho porque estava detido. Quando perguntei porque não íamos andando, explicaram que quando chegasse ao Tribunal me iam prender, literalmente, e ali podíamos estar mais à vontade. Pareceu-me bem. Passado um bocado lá me conduziram ao Tribunal, esclarecendo-me ainda que após a diligência teria de regressar pelos meus próprios meios. O seguro, explicaram-me.
  2. No Tribunal, outros agentes, o mesmo traquejo a lidar com criminosos… Lá me encarceraram numa cela que, a rir, disseram já ter albergado um ex-primeiro-ministro. Pedi outra. Já não tinha direito a pedidos. Meia hora a olhar para as grades (nota: nunca ser preso sem levar um livro, pois não ficamos com telemóvel ou tablet) e lá vamos à diligência, o "my day in Court". Se me privaram da liberdade, vou certamente poder perguntar ao juiz ou ao magistrado do MP as razões de tão gravosa medida. Enganem-se.

    Não havia magistrados, mas apenas uma engraçada e populista oficial de Justiça.

    Sentei-me. Olhou para o processo e disse: "Bom, é para lhe perguntar se confirma as declarações que fez. E, eventualmente, se quer acrescentar mais alguma coisa."

    Desculpe!? Sim, é isso mesmo, prenderam-me às 7h30 da manhã em frente aos meus filhos para que eu confirmasse o meu depoimento enquanto vítima de um assalto a minha casa. Não poderia isto ter sido feito por escrito, sobretudo com menor dispêndio de recursos e, já agora, de privação de liberdade?

    Digo que não altero nada, já a perder o humor. Ela sente-o e quando lhe pergunto qual foi a utilidade daquela diligência, decide avançar para a justificação: "Sabe, às vezes as pessoas imaginam que a Justiça não funciona. E, no entanto, este caso já ocupou a GNR de Grândola, o Tribunal de Grândola, o de Lisboa e os meus colegas que o foram buscar."

    Tentei resumir: "Ao fim do quarto assalto à mesma casa, o único detido é o proprietário denunciante e a senhora acha que isso é a Justiça a funcionar?"

    "Porque não justificou a falta?" Pergunta ela, devolvendo a culpa. Explico que só faço queixa pelo seguro e que não estou à espera que o criminoso apareça. Saber de experiência feito… Mas acabar detido para uma diligência inútil, enfim pareceu-me um tudo ou nada excessivo.

    Agora que me começa a passar mesmo a boa disposição procurei saber junto da magistrada que requereu a minha detenção se tinha lido o processo, tive por resposta a óbvia: que lhe bastou ler o código. O tal artigo. O 116 n.º 2 do Código de Processo Penal. Não valeu a pena falar de princípios constitucionais, de adequação ou proporcionalidade. Para isso era preciso que a senhora tivesse lido o processo propriamente dito.

    Ao fim de mais de 20 anos enquanto advogado comprovo que não é só a Justiça que é cega, mas sobretudo a sua mecânica, que além de cega é burra, ofensiva mesmo.

    Pela minha parte, lição aprendida: não me queixo mais.

    Advogado
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[IN JORNAL DE NEGÓCIOS, POSTADO PELO BLOG "OLHO DE GATO"-3/2/2016]

15 comentários:

  1. INFORMAÇÃO ADICIONAL

    Esta estória tem novos desenvolvimentos em alguns órgãos da CS de hoje!

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  2. Atentem na pergunta do "criminoso":"Ao fim do quarto assalto à mesma casa, o único detido é o proprietário denunciante e a senhora acha que isso é a Justiça a funcionar?" Foi de mestre; não?!

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    1. Este não era um "criminoso" qualquer: além de Advogado já tinha sido Deputado pelo PSD!...

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    2. Segundo o Notícias ao Minuto chegou a ser Secretário de Estado nos Governos de Durão Barroso e de Santana Lopes! (cont.) - ProfAnónima

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  3. o roubado já foi preso e os ladrões? às tantas ainda não...

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    1. Claro que não. As autoridades não têm meios humanos e materiais pra apanharem todos (pelo menos os muitos sindicatos do sector assim o dizem). Ora se andam à procura das vítimas depois faltam meios pra apanhar os criminosos! ENAE (Esta Não Assino Eu)

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  4. Ao Correio da Manhã o Dr José Martins, a vítima da estória (mas tratado como criminoso pelo sistema) declarou que não está a pensar processar os Magistrados que autorizaram a sua detenção. Compreende-se pois sendo Advogado na zona não deve ser aconselhável; mas também não precisa de fazer mais nada pois ao publicar um texto sobre a estória, escolhendo pra titulo um "adjectivo" tão sugestivo-kafka- também não precisa dizer mais nada. A. Monteiro

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    1. depois de ler a notícia do CM fiquei sem saber se o Zé M. ficou mais chateado por ter sido detido (na presença dos seus filhos) ou por ter ficado na cela anteriormente ocupada por um outro Zé! Pois.

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  5. INFORMAÇÃO ADICIONAL: QUEM É JOSÉ MARTINS?

    Pra lá de ser um Cidadão português que viu a sua casa a ser roubada 4 vezes (pelo que cometeu o "crime" de se queixar acabando por viver uma situação no minimo caricata), José Martins é Advogado (e não conhece a lei que permitiu a sua detenção) e foi eleito Deputado, pelo PSD, tendo sido chamado a exercer funções governativas no tempo de Durão Barroso e de Santana Lopes.
    ***
    O Notícias ao Minuto só divulgou este caso há 8 horas e desde então têm chovido os mais variados comentários. E se muitos vão no sentido de reprovar a atitude dos Polícias e Magistrados; já outros criticam a vítima (tratado como criminoso perigoso?), porque tendo sido Deputado não alterou a lei que permite estas bizarrias! e esta heim?!

    ProfAnónima

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    1. Um dos comentários encontrados no Notícias ao Minuto, é este:«J Queirós, É à Assembleia da Republica que compete fazer leis de qualidade que evitem que isto aconteça. Quando não há bom senso na produção legislativa exige-se que quem tem que aplicar as leis tenha o bom senso que o legislador não teve. Gosto»

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    2. No meio disto tudo os polícias foi quem menos errou porque eles foram cumprir ordens, caso contrário apanhavam uma porrada.

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  6. Aqui fica o endereço do site onde pode ver outros comentários, pq se uns só dizem disparates, já outros podem dar alguma informação útil aos n/leitores:

    http://www.noticiasaominuto.com/pais/532922/ex-secretario-de-estado-alvo-de-roubo-detido-porque-faltou-a-audicao

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  7. Espanta-me como ele não sabia que os detidos não podem ter telemóvel e computadores, por isso queria um livro. Será que tinha aceitado o "Tortura Em Tempos De Democracia"?!A.M.

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    1. Dar-lhe esse livro só se fosse para o humilhar ainda mais.

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  8. Se não fosse o próprio a conta-la nem acreditava

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